Caso RealPenal

80 tiros de incompetência? 80 tiros de execução

O agente da lei pode atirar para matar em dois casos: para se proteger ou proteger outra pessoa. No caso do desrespeito à voz de prisão dada pelo policial, ele pode usar a força, mas isso não significa matar, o uso excessivo da força (que pode ser força no sentido literal ou tiros ou qualquer coisa ao alcance do policial) é punível pois extrapola o cumprimento do dever legal do agente da lei.

Sou totalmente a favor da proteção a vida, seja do civil seja do policial, mas o fator em destaque para que haja uma morte é mesma moeda, ameaça a vida. Tão somente ameaça a vida justifica a morte. Proteção ao patrimônio não justifica morte, patrimônio pode ser reposto.

Quero iniciar essa conversa com a morte do músico Evaldo. Leia aqui o resumo do caso.

Luciana dos Santos, mulher de Evaldo, chora na zona oeste no Rio. (Foto : FABIO TEIXEIRA AP)

O músico e segurança Evaldo dos Santos Rosa, 51 anos, levava a família para um chá de bebê de uma amiga no último domingo quando teve o carro alvejado por mais de 80 balas disparadas por militares que patrulhavam a Estrada do Camboatá, no bairro de Guadalupe, zona oeste do Rio de Janeiro. Foi atingido por algumas dessas balas e, pouco antes de morrer, ainda virou o carro na tentativa de proteger a esposa, o filho de sete anos e a afilhada de 13, que estavam no banco traseiro. Eles saíram ilesos, mas o padrasto da esposa de Evaldo, que estava ao lado do motorista, ficou ferido, assim como uma pessoa que passava pelo local no momento em que os militares abriram fogo, segundo eles em resposta a uma “injusta agressão” de “assaltantes” que teriam iniciado o tiroteio. (FONTE : El País)

O Exército na cidade do Rio de Janeiro está com papel de polícia, logo, deve seguir as mesmas regras de engajamento. Ao suspeitar de algo deve abordar o suposto agente. Então, no contato deve partir para as averiguações. O policial tem o dever de preservar provas e a vida.

No caso em tela, pelo apurado até o momento, não parece ter havido engajamento. O veículo no qual estava o músico Evaldo simplesmente foi alvejado ao estar próximo do local que ocorria uma Blitz… Alvejado é pouco para o ocorrido, alvejado seria um tiro de advertência, algum movimento com o intuito de fazer o carro parar para averiguação… Até mesmo uma fatídica bala perdida.

NADA justifica os #80tiros além de serem #80TirosDeIncompetencia já que, não foram um, dois nem três tiros com intuito de fazer cessar ameaça, aliás, qual era ameaça representada pelo veículo? Claramente é criminoso e não cumprimento do dever legal. O nome é execução gratuita.

Um carro trafegando claramente com uma família em seu interior representa risco ou ameaça? Sem armas aparentes, levando CRIANÇA. Fizessem uma abordagem, parassem o carro, perseguissem se houvesse dúvida… Tiro de advertência… O que foi feito é execução. Ponto.

Aqui em São Paulo, a Polícia Militar tem implementado o método Giraldi no treinamento de tiro, cujo intuito é preservar a vida e tem tido bons resultados, qual o motivo de os princípios não serem aplicados nacionalmente? Sim, a PM ainda tem muitos problemas estruturais e enraizados mas alguns querem fazer um bom trabalho. Vale a pena ler as diretrizes do método Giraldi aqui. O policial não tem o direito de matar, mas também não tem o dever de morrer, por isso o método Giraldi tem se mostrado uma alternativa.

Recentemente tivemos o caso de um assalto a banco em Guararema-SP no qual a polícia abateu os agentes. Não vou entrar no mérito se foi cumprimento do dever legal ou não, mas sim na postura dos Governantes do Estado de São Paulo e do Brasil em parabenizar a postura da polícia. De certa forma beirando a comemoração das mortes. ONZE mortes. Em uma ação ocorrida de madrugada na qual a única ameaça era patrimonial… Não vou entrar no mérito pois não sei como foi a situação de confronto e se a vida esteve ameaçada em algum momento já que os agentes estavam fortemente armados, mas a morte de todos eles me parece a primeira vista excessiva. Enfim, ao parabenizar a ação de “abate” performada pela polícia o recado é de aprovação à execução. A mensagem é clara. Empodera os agentes da lei a agirem como se fosse ok tirar vidas. TODA VIDA IMPORTA. De policiais, mas também a dos agentes que devem ser punidos conforme a lei. E não, a pena de morte não tem previsão legal exceto em caso de guerra. E oficialmente não estamos em guerra não é mesmo?

Por fim, frente a este caso e muitos outros, manifesto meu repúdio em especial a parte da lei “anticrime” que trata da “expansão” do instituto da legítima defesa para os agentes da lei. (vou fazer um post específico para esse projeto de lei)

Art.23 ……….
§ 1º O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso
ou culposo.
§ 2º O juiz poderá reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la se o excesso decorrer
de escusável medo, surpresa ou violenta emoção.
Art.25 ……….
Parágrafo único. Observados os requisitos do caput, considera-se em legítima defesa:
I – o agente policial ou de segurança pública que, em conflito armado ou em risco iminente
de conflito armado, previne injusta e iminente agressão a direito seu ou de outrem; e
II – o agente policial ou de segurança pública que previne agressão ou risco de agressão a
vítima mantida refém durante a prática de crimes.

Temos muito a pensar como sociedade. Somos uma sociedade com medo. Medo não só dos criminosos mas também dos agentes da lei. Medo do nosso próximo. Medo do futuro. Medo.

*13/04/19 UPDATE

Acabo de assistir esse vídeo do canal Meteoro.org e acho interessante deixar aqui mais visões sobre os fatos.