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Princípio do ne bis in idem – OJ Simpson e Risco Duplo

No Direito Brasileiro, principalmente na seara penal da qual vamos tratar, é muito comum o uso desse princípio que trata da vedação a dupla incriminação.

Pela ótica do Direito Processual são proibidos de renovação os processos pelos mesmos fatos não se podendo punir alguém pelo mesmo fato mais de uma vez.

Com a Constituição Federal de 88, o princípio do ne bis in idem adquiriu natureza de direito fundamental. A CF/88 trouxe a garantia da coisa julgada (art. 5º, XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;) para assegurar a econimia processual e garantia jurídica e fundamentou desta forma o princípio “ne bis in idem”, processualmente.

Pela lente do Direito Material o princípio restringe a sanção tendo como diretriz que ninguém deverá ser punido mais de uma vez pelo mesmo fato. A proibição de dupla sanção se relaciona com o princípio da legalidade e tipicidade, que como sabemos são direitos fundamentais. O princípio do bis in idem não se refere apenas a inaplicabilidade de duas sanções, mas também dentro de um mesmo processo, quando diante do mesmo sujeito, fato e fundamento.

O Brasil é signatário de inúmeros tratados que carregam esse princípio em sua redação:

Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana sobre Direitos Humanos)
8.4 – O acusado absolvido por sentença passada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos.

Convenção Interamericana sobre Assistência Mútua em Matéria Penal
9 – O Estado requerido poderá recusar a assistência quando, em sua opinião:
a) o pedido de assistência for usado com o objetivo de julgar uma pessoa por um delito pelo qual essa pessoa já tiver sido previamente condenada ou absolvida num processo no Estado requerente ou requerido;

Convenção Interamericana sobre o Cumprimento de Sentenças Penais no Exterior
VII – 1. A pessoa sentenciada que for transferida conforme previsto nesta Convenção não poderá ser detida, processada ou condenada novamente no Estado receptor pelo mesmo delito que motivou a sentença imposta pelo Estado sentenciador.

Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional
artigo 20 :
1. Salvo disposição contrária do presente Estatuto, nenhuma pessoa poderá ser julgada pelo Tribunal por atos constitutivos de crimes pelos quais este já a tenha condenado ou absolvido.

2. Nenhuma pessoa poderá ser julgada por outro tribunal por um crime mencionado no artigo 5°, relativamente ao qual já tenha sido condenada ou absolvida pelo Tribunal.

3. O Tribunal não poderá julgar uma pessoa que já tenha sido julgada por outro tribunal, por atos também punidos pelos artigos 6o, 7o ou 8o, a menos que o processo nesse outro tribunal:

a) Tenha tido por objetivo subtrair o acusado à sua responsabilidade criminal por crimes da competência do Tribunal; ou

b) Não tenha sido conduzido de forma independente ou imparcial, em conformidade com as garantias de um processo eqüitativo reconhecidas pelo direito internacional, ou tenha sido conduzido de uma maneira que, no caso concreto, se revele incompatível com a intenção de submeter a pessoa à ação da justiça.

O Brasil se comprometeu como signatário de tais tratados a respeita-lo e ele aparece inserido também no ordenamento penal como observa-se no Código Penal :

Art. 8º – A pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasil pelo mesmo crime, quando diversas, ou nela é computada, quando idênticas.

Art. 42 – Computam-se, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação em qualquer dos estabelecimentos referidos no artigo anterior.

A importância deste princípio vai muito além de não ser julgado mais de uma vez pelo mesmo fato, é importantíssimo na dosimetria penal. Trata-se de tarefa árdua dosar a pena de um agente, mais ainda  valorar corretamente as circuntâncias agravantes e não incorrer em bis in idem.

O STJ tem clara sua posição a respeito buscando evitar assim excessos na hora da dosimetria:

DIREITO PENAL. DOSIMETRIA DA PENA. REGISTROS CRIMINAIS. BIS IN IDEM.
Havendo registros criminais já considerados na primeira e na segunda fase da fixação da pena (maus antecedentes e reincidência), essas mesmas condenações não podem ser valoradas para concluir que o agente possui personalidade voltada à criminalidade. A adoção de entendimento contrário caracteriza o indevido bis in idem. Precedentes citados: HC 235.496-SP, DJe 24/8/2012, e HC 184.027-MS, DJe 26/6/2012. HC 165.089-DF, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 16/10/2012.

DIREITO PENAL. FIXAÇÃO DA PENA-BASE. ARGUMENTOS GENÉRICOS OU CIRCUNSTÂNCIAS ELEMENTARES DO PRÓPRIO TIPO PENAL.
Não é possível a utilização de argumentos genéricos ou circunstâncias elementares do próprio tipo penal para o aumento da pena-base com fundamento nas consequências do delito. Precedentes citados: HC 150.025-DF, DJe 1/8/2011, e HC 170.730-AC, DJe 10/10/2011. HC 165.089-DF, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 16/10/2012.

Gostaria de deixar como exemplo um ótimo filme, um dos primeiros filmes com a temática jurídica que me recordo de ter visto quando mais nova e sempre me marcou, não só pela questão jurídica envolvida mas por todo o contexto mostrado de ganância e vilania.

Double Jeopardy (Risco Duplo) é um filme que mostra uma mulher condenada erroneamente pelo assassinato de seu marido, após cumprir injustamente sua pena  busca justiça, e se utiliza do princípio ne bis in idem ao descobrir que seu marido ainda está vivo pois se o matar não poderá ser novamente julgada. No momento é possível assistir o filme pela Netflix.

No ordenamento americano a personagem consegue seu intuito, mas, ao olharmos mais profundamente e termos o horizonte do ordenamento brasileiro surgem questões importantes a serem discutidas visto que aqui se debate o direito a tirar a vida de outrem por já haver sido condenado por tal delito.

O direito à vida deve ser sempre preservado e protegido pelo Estado, cabendo a aplicação de outros institutos do ordenamento jurídico afim de minimizar situações oriundas de erros da prestação jurisdicional como uma condenação errônea.

A vida é o bem jurídico mais precioso, embora a pessoa em tese não possa ser condenada duas vezes pelo mesmo feito claramente na prática falamos de circunstâncias diversas, preponderantemente de tempo… No Brasil claramente haveria de ser considerada uma reparação pela injusta condenação, porém seriam ações penais diversas, logo não caberia detração de qualquer penalidade já cumprida. Veja bem, o fato de vítima, acusado e teoricamente fato serem os mesmos não significa que não seja um novo crime visto que o tempo e circunstâncias são diversas… Considerando o princípio da ubiquidade o local dos fatos é aquele em que o crime seu resultado ocorrem ou deveriam ocorrer, assim sendo, vejo que na seara penal tratam-se de dois crimes distintos sob a ótica do ordenamento brasileiro, bem como dois processos distintos e execuções distintas.

Outro caso interessante é o notório OJ Simpson, acusado de matar sua ex e um amigo dela, foi inocentado pelo Tribunal do Juri americano. Só que, anos mais tarde, veio a tona que uma das provas que o inocentaram poderia ter sido manipulada… A prova seriam luvas, crucial para a acusação ligar OJ ao crime e no Juri, quando OJ provas as luvas elas não lhe servem. No brasil deve-se considerar que nesse caso, a prova é prejudicial ao réu, não haveria alteração ao processo legal executado pois o ônus da prova e de apontar a nulidade de qualquer conduta caberia aos titulares da ação, no caso o Ministério Público, antes do trânsito em julgado. Nos EUA prevalece o double jeopardy e OJ não seria julgado por algo que já é passado.

Muito se falou sobre a luva haver sido molhada de sangue e outras substancias usadas pela pericia além da teoria de que OJ teria deixado de tomar os remédios contra a artrite, o que fez com que a luva não servisse pelo inchaço dos dedos…  Volto a dizer, após o trânsito em julgado não há que se falar em revisão de provas para a acusação, para o acusado, se favorável a si caberia a Revisão Criminal.

11 anos depois surgiram boatos que OJ estaria escrevendo um livro com o título de “If I did it”, em português ficaria algo como “e se eu tivesse feito? ou e se tivesse sido eu?” descrevendo os crimes em detalhes, hipoteticamente. Obviamente a opinião pública ficou chocada e o livro logo foi engavetado. Mesmo assim, em solo americano OJ não seria julgado novamente, no Brasil, por se tratar ainda da mesma ação penal com novas evidências se isso surgisse antes do trânsito em julgado O.J. seria julgado.

O caso de OJ foi amplamente coberto pela mídia, mas recomendo assitsir uma série feita com maestria sobre o tema : American Crime Story : The People x OJ Simpson que conta com Cuba Gooding Jr e Sarah Paulson como maiores destaques de atuação. Até o presente momento o título está disponível no catálogo da Netflix.

O julgamento também pode ser encontrado no Youtube! Mais real que isso impossível.

No ordenamento brasileiro, como pudemos ver, o princípio é muito mais valorado na seara penal para a dosimetria das penas do que para tornar impunível um crime que supostamente já teria acontecido pois as condições de tempo e local devem ser valoradas além da conduta e das partes em si.